janeiro 28, 2009

o regresso à casa azul



(Photos by Susana Ribeiro)
Depois de dois meses da ausência anunciada, regressámos a casa. É tempo de romãs, mas o que encontrámos no umbral da nossa porta foram laranjas! Caso para dizer que o tempo vai esculpindo as suas dádivas no nosso Jardim das Hespérides ;)

Já no interior, casa arrumada pelos rapazes, nova disposição dos instrumentos na sala, novo fôlego, muita energia e muitos sonhos colados ao tecto, como balões (ultimamente a nossa vida tem sido isto – insuflar sonhos!!). A vontade é de abrir as portas e começar imediatamente a partilhar, mas há que aguardar, alguns temas ainda estão a ser misturados, o trabalho ainda não está completo.

O fim-de-semana foi dedicado à preparação de uma pequena surpresa que a seu tempo revelaremos. Até lá, vão comendo laranjas!! :P


susana
-----

Return to the blue house.
After two months of an announced absence, we came back home. It is time for pomegranates, but what we found in the threshold of our door were oranges! Suffice to say that time is sculpting his gifts in our Hesperides Garden;) Inside the house, it’s tidy and there is a new disposition of the instruments in the room by the boys; there’s a new breath, a lot of energy and many dreams sticking to the ceiling, like balloons (lately our lives have been that – inflating dreams!). The desire is to open the door and immediately begin to share, but one has to wait, for some tracks are still being mixed; the work is not yet complete. The weekend was devoted to preparing a small surprise that in time will be revealed. Until then, keep eating oranges :P

janeiro 25, 2009

Dias sem recordação I


Falar da distância não é fácil, quando é ela que fala por nós. Já passaram alguns dias desde que atracámos nesta fronteira de mar. Eu permaneci afastado do caminho: encontrei aqui raízes minhas: as minhas mãos dizem que não, mas o meu corpo diz que se lhe estalaram os ossos quando os pés tocaram o chão firme - os olhos turvaram com o peso da gravidade.
De cabeça tombada de encontro à quilha quebrada, vi os meus dois companheiros entrar no pomar de romanzeiras que esboçava sorrisos ao vê-los chegar.
Se capturar emoções tão à flor da pele, que já elas são a própria pele, é difícil, não menos árduo é o trabalho de as preparar para que daqui possam partir de cabeça erguida sem receio das quedas do caminho.
De onde estou, sinto os passos do jorri e do miro, enclausurados entre árvores, a esgrimir o ruído da noite; a coser vestidos e a enfeitar o palco. Magoa-me não os poder acompanhar nesta parte da demanda.
Espaçadamente, um deles retorna à fronteira da esperança e traz-me uma romã recém colhida: os meus dentes recebem-na com expectativa. Será que o coração reconhece o sangue que aos dedos enviou e agora lhe retorna do calor da refrega? Mesmo com estilhaços de tempo cravados nas pernas e marcas de paixão nos ombros?
Agora ele aflui para não voltar a sair. Mas a visão ainda é turva e as árvores ainda não contaram tudo.
À partida conto sempre com o pior, mas espero que assim não seja. Herdei da minha mãe uma total descrença no ser humano, mas estou sempre à espera de ser surpreendido; e é esta esperança que embala a água salgada que de vez em vez me vem visitar junto à quilha quebrada.
Tenho os lábios secos de tanto esperar e a boca a transbordar com o aroma doce das romãs que me vêm oferecer.

JoãoRui
© Sofia Silva, Terra Fértil I, 2009

Days without recollection
Speaking of distance is not easy when it is her that she speaks for us. Some days have passed since we’ve reached this sea border. I kept out of the way: I found my roots here: my hands say no, but my body says its bones shattered when my feet touched the firm ground – my eyes are blurry with the weight of gravity.
With my head against the broken keel, I saw my two companions going into the orchard of pomegranates that were outlining smiles as they arrived.
If capturing raw emotions is difficult, not least is the hard work preparing them to leave this place with a high brow, without fearing the falls of the way.
From where I stand, I feel the steps of jorri and Miro strung between trees, fencing the noise of the night; sewing dresses and decorating the stage. It hurts me not to follow them in this part of the quest.With time, one returns to the border of hope and brings me a freshly harvested pomegranate: my teeth receive them with expectation. Does the heart recognize the blood he sent to the fingers and now returns from the heat of the melee? Even with fragments of time carved on the legs and marks of passion on the shoulders? Now he flows in, not to go out again. But the vision is still blurred and the trees have not told everything. At first I always count with the worst, but hope that it will not be so. I inherited from my mother a total disbelief in the human kind, but I'm always waiting to be surprised; it is this hope that rocks the salty water that from time to time comes to visit me near the broken keel.
My Lips are dry from waiting and my mouth overflows with the sweet aroma of pomegranates that I have been offered.

janeiro 16, 2009

Dia 34: / 5 dias à deriva / Dia 5: O silêncio da maré



Finalmente avistamos terra: chamava-nos de estibordo - sim, porque bombordo é o espaço onde respira o coração: e esse vive sempre voltado para o mar e de costas para a certeza.

Regressamos de mãos cansadas e pés amarrotados; cabelo desgrenhado e impregnado do sabor do sal. E olhos... Olhos de quem viu demais...

Durante este tempo todo não foi o barco que balouçou perdido; eu soube-o ao ouvir o frémito da areia quando nos aproximámos e ao sentir como ela se contorceu em convulsão, quando a quilha fendeu os grãos mais delicados. Foi neste momento, com a violência do embate, que fomos os três projectados para o fundo da embarcação.

Que fundo? Que embarcação? Foi tudo isto um sonho?

Será o silêncio da maré que se torna a encolher debaixo da pele? Esperará ela nova companhia?

Um dia, quando eu me esquecer disto tudo; quando o tempo tiver outra vez moldado o tumulto da minha respiração; quando estas visões se desvanecerem nas rugas dos meus dedos e eu me tornar um estranho em frente ao meu espelho... Então terei regressado aos braços do meu olhar submerso. Mas por ora, enquanto o pulsar de cada nota for mais audível que o som do sangue a quebrar contra a muralha do meu peito, sou uno com cada uma delas.

Estas músicas são filhas e mães de emoções: algumas têm a idade do meu coração e outras, que têm a idade das fendas dele.

"When I go away, you'll come back for more"

JoaoRui

-----

/5 days adrift/ Day 5: The silence of the tide

At last, Lad Ho: it was calling from starboard – yes, because port is the space where the heart breathes: and he lives always turned to the sea, and with his back to certainty.

We return with tired hands and crumpled feet; the hair in a twirl and impregnated with the taste of salt. And eyes… Eyes of who saw too much…

During all this time, it was not the boat that was swinging; I found it hearing the shiver of the sand when we approached and seeing the way she convulsed when the keel split her smoothest grains apart. It was at this time, with the violence of the crash, that the three of us were projected to the bottom of the ship.

What bottom? What vessel? Was this but a dream?

Is it the silence of the tide, again shrinking beneath the skin? Is she waiting new company?

One day, when I forget all of this; when time has shaped the tumult of my breathing once again; when these visions have vanished in the wrinkles of my fingers and I turned into a stranger in front of my mirror… Then I will have returned to the arms of my submerged stare.

But for now, whilst the pulsation of each note is more audible then the sound of my blood crashing against the wall of my chest, I am at one with each one of them.

These songs are mothers and daughters of emotions: some are as old as my heart and others are as old as its cracks.

When I go away, you'll come back for more"

janeiro 13, 2009

Dia 33: / 5 dias à deriva / Dia 4: O Brasido do Inverno



Na maioria dos casos, não nos faltam asas e muito menos o chão debaixo dos pés – dele temos nós de sobra. A ausência é apenas do espaço de impulsão: então, no lugar de asas, quedamo-nos somente com as penas delas e os sonhos que perdemos.

Hoje não fomos apenas nós os três que navegámos este barco embriagado. De olhos raiados de sangue e dedos cravados nos pés das orquídeas que nasceram no silêncio, enfrentámos o gelo onde se cristalizou a génese da melodia. Nós, já a havíamos perseguido até a encurralar entre as feridas dos dedos e o chicotear das cordas que não suportaram a tensão. Agora voltamos à carga, vez após vez, até que nada nos separe – e é apenas aí que a fita colhe as cicatrizes e os segredos que vêm arrastando os pés na sombra da luz mais intensa.

Assim que a noite caiu, senti passos lá fora, à porta do estúdio: O estrangeiro, de sobrolho carregado e a pele tisnada do sol. Veio trazer uma história que trazia arrastada pelos cabelos e poisou-a aos meus pés. E eu, que nisto tudo sou apenas o reflexo da voz, sentei-me ao fundo da sala a observar o estranho espectáculo: fincou os dentes no dorso do inverno...

Mas hoje não fomos apenas os três dentro desta embarcação. O coro, também ele embriagado, escondia-se já há vários dias entre a espuma das ondas – esperou até ao último fôlego, e depois tomou o barco de assalto...

Corsários… Que doce vigília.

“I’m going to tell you a story that will make you cry”

JoaoRui

------

/5 days adrift/ Day 3: Winter’s ember

In most cases, we do not miss wings, much less the ground under our feet - we have enough of that to spare. The lack is only of propulsion space: then, instead of wings, we only have feathers and the dreams we lose.

Today we were more than three sailing the drunken boa. With bloody eyes, and fingers carved on the feet of the orchids born in silence, we faced the ice where the genesis of the melody crystallized. We had already chased her until we cornered her between the wounds of our fingers and the whip of the strings that couldn’t hold the tension. Now, we charge again and again, until nothing separates us - and it is only then that the tape reaps the scars and secrets that have been dragging their feet in the shade of the intense light
As the night fell, I felt steps outside the door of the studio: The stranger, with a hard brow and the skin burnt from the sun. He brought a story, dragging her by her hair and landed her by my feet. And I, who in this, am just a reflection of the voice, I sat me down and the end of the room, watching this the strange spectacle: He carved his teeth on the back of winter ...
But today we were not alone in this vessel. The chorus, drunk as well, was hiding for several days between the foam of the waves – he waited until the last breath, and then stormed the boat…

Pirates… What a sweet vigil.

“I’m going to tell you a story that will make you cry”

janeiro 12, 2009

Dia 32: / 5 dias à deriva / Dia 3: A fome dos segredos

O passado é daquelas coisas que não conseguimos deixar para trás. Pelo menos não o suficiente para seguirmos para diante sem segredos entre os dedos.
Cada um destes dias tem uma voz diferente. Tem uma entoação particular.
A voz que primeiro adivinha a melodia das palavras tem olhos de lobo: os segredos das palavras renderam-se ao seu fôlego. E ela tomou-os, chegou-se à porta que dá para as bandas do meu sangue, olhou para trás e seguiu urgente - com as flores do caminho a fustigar-lhe as pernas.
Assim, a voz que hoje regressa, é filha de emoções que não são de agora. Reconheço-lhe o olhar mas já não lhe conheço as mãos.

Quando me precipito para o microfone, ela dança entre os meus dedos e os meus segredos.
Bem-vinda, minha estranha assassina. Nem tudo era saudade…

“I am what’s left, of a dream I had”

JoaoRui

----
/5 days adrift/ Day 3: The hunger of secrets
The past is one of those things that you can’t leave behind. At least not enough to push forward without secrets between our fingers. Each one of these days has a different voice. Has a certain tone. The voice that first guesses the melody of the words, has wolf’s eyes: the secrets of the words surrendered to her breath. And she took them, got to the door that leads to the side of my blood, looked behind and went urgently – with the flowers of the path caressing her legs. This way, the voice that returns today, is the daughter of emotions that do not belong to this time. I recognize her eyes, but I do not know her hands anymore. When I precipitate to the microphone, she dances between my fingers and my secrets. Welcome my strange assassin. Not everything was saudade. “I am what’s left, of a dream I had”

janeiro 11, 2009

Dia 31: / 5 dias à deriva / Dia 2: All vocal and no guitar makes Jack a dull boy



Que bela embarcação… Não tem velas ou leme e não lhe adivinho o fundo. Encostámo-nos os três dentro dele e a espuma das ondas ergue-se para beijar as ripas que o mantêm à tona. Rangem como se foram dentes quando o vento estala a língua nos nossos ouvidos. Seguimos em frente, em frente, para onde quer que isso seja. São seis mãos nuas que ditam os contornos da viagem. Ora eu, o Miro ou o Jorri: à vez, ou em uníssono, precipitamos os dedos para as ondas e o barco toma esse rumo. São bons substitutos de leme: são os primeiros a ouvir o estranho companheiro que debita para o microfone palavras roubadas à tinta. São também os que ouvem o vento que vem dos lados do castelo que trazem flores e saudade.
Se não fosse eu a trazer o Jack, ele tinha perdido isto tudo... A meio da faina chegou outro par de mãos: o Mestre aproximou-se num barco de pesca que quase nos afundava (veio com desculpas de 8 horas de corsário).
Já sinto falta de uma guitarra para me encantar. Não sou jogador de cartas e não conheço o cansaço das horas quando o tempo se esconde entre seis cordas.
Quando o dia acaba, já não sabemos se hoje foi ontem, ou se hoje é amanhã. No apagar das luzes, a noite já pesa nos olhos e os passos são mais lentos.

“and it’s a slow walk, back into the night”

JoaoRui

-----

/5 days adrift/ Day 2: All vocal and no guitar makes Jack a dull boy

What a nice vessel ... It has no rudder nor sails and I can not you guess the bottom. The three of us curled up inside it and the foam rises up to kiss the strips that keep it afloat. They grind as teeth when the wind’s tongue snaps to our ears. Onward, we move forward wherever it may be. There are six bare hands to dictate the contours of the journey. Either mine, Miro’s, Jorri’s or all at the same time. Our fingers precipitate to the waves and the boat takes that course. They are good substitutes of a helm: they are the first to hear that strange partner pouring to the microphone the words that were stolen from the ink. They are also those who hear the wind coming from the sides of the castle, bringing flowers and saudade.
If I were not to bring Jack, he would have missed all of this...

In the middle of these works, we found another pair of hands: Mestre approached us in a boat that almost sank us (he came with apologies of 8 pirate hours).
I already miss the lack of a guitar to delight me. I am not a card player, nor do I know the fatigue of the hours, when time is hidden between six strings. At the end of the day, we do not know if today was yesterday, or today is tomorrow. When the lights are finally turned off, the night weighs heavily over our eyes and the steps are slower.

“and it’s a slow walk, back into the night”

janeiro 10, 2009

Dia 30: / 5 dias à deriva / Dia 1: Johnny’s walkin’ baby…



Regressos. Parece que estamos sempre a regressar. Eu nunca aviso que vou embora. Apenas desapareço. Quando voltar aviso…mas já não vou ser a mesma que partiu…. É o que me diz a voz que já dorme na fita. Foi procurar todos os instrumentos que já lá estavam e mordeu-lhes os calcanhares.

Estes próximos dias vão ser difíceis de separar. Volto a estar do lado de cá do vidro e o Jorri e Miro do lado de lá (e a Susana a monte), ou eles os dois do lado de cá e eu do lado de lá (e a Susana ainda a monte). Mesmo assim, neste coxear do covil, o Johnny fez a ultima caminhada de mãos dadas com a voz.

Como se dividem os dias? Por ora vou associar os dias aos amigos com quem estou. Hoje foi um festim. Esteve cá a Becky, o Gito, o Miguel e o Mestre, sendo que a diferença fundamental nesta presença é que o trio Becky,Miguel,Gito, foram estátuas de som. Já o Mestre, juntou-se ao Miro e ao Jorri no lado de lá do vidro. Sim, do lado de lá do vidro porque não quero cá confianças. Os dois candeeiros já me fazem companhia suficiente e o Johnny pode andar pela sala toda sem que o trio presente (o que estava a consumir oxigénio do lado de lá do vidro) lhe passes rasteiras (mas sabe Deus que o Miro tentou).

Se não registar os dias de imediato vou perder a noção do tempo e tudo se vai condensar numa memória vaga destes. É um pouco como estar perdido no mar alto, sem avistar nem terra nem gaivotas. Os segundos vão se encostando aos minutos e estes às horas e só nos lembramos do momento em que nos perdemos e quando nos voltámos a encontrar.

Portanto estamos à deriva.

“Captain Ahab, tell me a story about the sea…”

JoaoRui

-------

/5days adrift/ Day 1: Johnny’s walkin’ baby…

Returns. We always seem to be returning. I never say when I’ll leave. I just disappear. When I return, I tell... but I will not be the same that left.... This is what the voice that now sleeps on the tape tells me. She went looking for all the instruments that were already there and bit their heels.
These next days will be difficult to separate. Again, I’m on this side of the glass and Jorri and Miro on the other side (and Susana at large), or the two of them on this side and I on the other (and Susana still at large). Even with the limp of the lair, Johnny made the last walk hand hands in hands with the voice.
How does one divides the days? For now, I will connect the days to friends with whom I am with. Today was a feast: Becky was here, Gito, Miguel and Mestre, and key to the difference in presence is that the trio Becky, Miguel, Gito were statues of sound, as with Mestre, he joined Miro and Jorri on the other side of the glass. Yes, there on the other side of the glass because I do not trust anyone. The two lamps are enough and Johnny can keep walking across the room without the trio (the one consuming oxygen on the other side of the glass) being able to make him trip (but God knows that Miro tried).

If I keep no immediate record of the days, I will lose all sense of time and everything will condense into a vague memory of these. It's a bit like being lost at sea, without seeing or seagulls or land. The seconds lean against the minutes and these to hours and we can only remember the time when we got lost and when we were found again.

So we are adrift.

“Captain Ahab, tell me a story about the sea…”

Dia 29: Se uma arvore cair na floresta sem ninguém por perto, a queda produz som?

E se o carro for mais rápido do que necessário e não houver um agente da autoridade por perto(munido de um radar), será que vamos realmente em excesso de velocidade?

Texto aguarda-se..

janeiro 08, 2009

27º e 28 dia: A voz que partiu e aqui há de retornar

Entretanto o Natal já era. Aconteceu tanto em tão pouco tempo… Há dias de cicatrizes. Estes dias passados foram desses; daqueles dos quais guardamos memória… (mais um grito que se vai esconder debaixo da pele).

Após uma breve ausência, o retorno foi hoje. A porta do estúdio fecha-se e do lado de dentro nada mudou. Ouvem-se os sussurros dos instrumentos dentro das caixas que nos convidam a retornar à dança. Mas não: só o mastodonte está nú: O arqui-inimigo dos agudos, o bardo das frequências graves. Apenas o contrabaixo está fora da caixa – este ainda voltará a cantar para o microfone num dia destes. Ficou lá no canto a olhar de soslaio para a porta a ver se o jorri também vinha com ar de quem vinha ao passito de dança. Hoje não…
Não que o estúdio tenha estado vazio este tempo todo. A nossa presença invisível esteve cá: o “luvinhas de lã” (Miro) já anda a cozinhar os ingredientes musicais que cá ficaram.
Os instrumentos não lhe sussurram, porque os murmúrios são abafados pelos gritos que já ecoam nas colunas.
E então eu e o jorri lá estivemos a petiscar alguns dos preparos do Miro.
Mas o que nos trouxe aqui foram assuntos de coelho, mas sem Jack não há coelho e o coelho esqueceu-se de trazer o Jack. Ao menos havia o Johnny, que assim sempre se vai a andar.

Do outro lado do vidro, agora que aproveitámos para tirar da sala de gravação todos os nossos amiguinhos, quedaram-se apenas dois candeeiros, sombras de sobra e letras sem fim...
Sem dar por ela já adiantámos um bom acervo de vozes.
Hoje os convidados foram: a minha voz, a minha voz mais grave, a minha voz mais aguda, a minha voz mais estranha, a minha voz ainda mais estranha, e ainda a minha voz mesmo muito estranha que tem sempre três conclusões:

a) o miro e o jorri a rir do outro lado do vidro e eu a debitar-lhes alguns impropérios que nem tocam na fita.

b) Depois de contas feitas e poeira assente alguém vai dizer mais tarde à Susana que a voz dela estava muito bem naquela música, mas que se devia ouvir mais. E que depois a Susana vai dizer “foi um bom momento foi, tentámos dar o nosso melhor” (e com esta ambiguidade, ainda consegue ganhar reforço nos créditos vocais... eu compreendo. Sabe Deus o trabalho que me deu conquistar créditos nas percussões.)

c) Perguntarem-nos “onde foram encontrar esse coro? Eram todos marinheiros?”

No final da jornada fechámos outra vez a porta e fomos enfrentar os zero graus da rua. Depois de amanhã já cá volto para deixar mais umas cicatrizes na fita. Amanhã o jorri vem para cá auxiliar o Miro nos condimentos. Godspeed boys...

João Rui

-------
The voice that left and to this place will return
in the mean time, Christmas is gone. So much happened in such little time.There are scars days.
These past days were of these; those of which we keep memory… (Another scream that will hide underneath the skin).
After a brief absence, the return was today. The door to the studio closes and inside nothing changed. One hears the whispers of the instruments inside the boxes, inviting us to return to the dance.
But no: only the mastodon is naked: The arch-enemy of the treble, the bard of the low frequencies. Only the Upright Bass is outside the box – This one will return to sing to the microphone one of these days. So he stood from the corner squinting at the door ajar to see if Jorri came with his dancing shoes. Not today...
Not that the studio has been empty all this time. Our presence here was invisible: the “wool mittens"(Miro) has already been cooking the ingredients here that music remained. The instruments did not whisper to him, because the murmurs are muffled by the screams echoing from the speakers.
So, I and Jorri were there snacking Miro’s preparations.
But what brought us here were matters of rabbit, but without Jack, there’s no rabbit and the rabbit forgot to bring Jack. At least there was some Johnny; at least we can keep walking.
From the other side of the glass, we took the chance clear the room of all our little friends, all but two lamps, shades and lyrics without end ...
Unconsciously, we’ve already recorded a good collection of voices.
Today the guests were: my voice, my lower voice, my sharper voice, my strange voice, my even more strange voice, and yet my really, really strange voice, so that whence I use it three conclusions are always possible:
a) Jorri and Miro breaking into laughter from the other side of the glass and I charging them with some foul language that will surely will not be committed to tape
b) After accounts made and the dust settled, later, someone will tell Susana that her voice was fine in that music, but it should be louder. And after that, Susana will say: "it was a good time, yes it was; we tried to give our best" (and with this ambiguity, she will still earn some good vocal credits... I understand, god knows the hard work I had earning some percussion credits in the recordings)
c) People will ask us "where they you find this chorus? Were they were all sailors?"
At the end of the day, we closed the door again and we went out to face the zero degrees of the street. After tomorrow I’ll return to leave some more scars for the tape.
Tomorrow jorri will come here to help Miro with the condiments. Godspeed boys…