Há sempre uma história engraçada por trás de um livro. Nem que seja o sítio da prateleira de onde se encontrou. Há-de haver pelo menos uma boa história por detrás dessa prateleira. Talvez um bilhete ou uma dedicatória. E se não é aí, então há-de haver alguma nas primeiras páginas do livro.
E já que a vida vai andando em círculos, começo por dizer que detesto maus tratos aos livros: Já que eles são bons amigos, nada justifica a tinta azul a sublinhar passagens nem folhas dobradas. Pelo menos as que não foram dobradas pelo passar incauto das mãos em frenesim à procura do que espera a página seguinte… também há sempre uma boa desculpa para quase tudo.
Antes de prosseguir, detenho-vos apenas no uso da palavra “história” em detrimento de “estória”. “História”, de acordo com os acordos ortográficos, tem uma diferença da “estória”, mas para mim ela não existe: a ausência da dita “estória” dos compêndios de História minimiza-a ou torna-a menos História? Não me parece. Sou dos que hão-de escrever “actor” com “C” até que a loucura me leve o que restar de sobriedade. Se pudesse, escrevia farmácia com PH; é como a minha mãe diz: “esses acordos são para malandros”. Portanto se passar alguma história com ausência de H é culpa do corrector ortográfico e de noites mal dormidas.
E já que a vida vai andando em círculos, começo por dizer que detesto maus tratos aos livros: Já que eles são bons amigos, nada justifica a tinta azul a sublinhar passagens nem folhas dobradas. Pelo menos as que não foram dobradas pelo passar incauto das mãos em frenesim à procura do que espera a página seguinte… também há sempre uma boa desculpa para quase tudo.
Antes de prosseguir, detenho-vos apenas no uso da palavra “história” em detrimento de “estória”. “História”, de acordo com os acordos ortográficos, tem uma diferença da “estória”, mas para mim ela não existe: a ausência da dita “estória” dos compêndios de História minimiza-a ou torna-a menos História? Não me parece. Sou dos que hão-de escrever “actor” com “C” até que a loucura me leve o que restar de sobriedade. Se pudesse, escrevia farmácia com PH; é como a minha mãe diz: “esses acordos são para malandros”. Portanto se passar alguma história com ausência de H é culpa do corrector ortográfico e de noites mal dormidas.
Então sigamos para a história de como este livro me veio parar às mãos.
Foi-me passado para elas por um bom amigo meu que me tinha dado boleia até à Praça da República. Ao sair do carro disse “olha cá tens”. Como eu lhe dissera que estava interessado em ler Kafka, agradeci-lhe o empréstimo e fui-me sem demoras.
Já em casa, encontrei a tal dedicatória/nota “I’m 18, I need my heroin. M.A.” fazia sentido, uma dedicatória com parte de uma letra dos Suede (Dog Man Star) já que o meu amigo tinha um gosto particular por eles. Pelo menos tinha-o na altura, antes de partir para a Índia (mas isso é outra história).
Eu vinha de uma fase em que tinha lido praticamente tudo o que pude encontrar em alfarrabistas do Dostoyevsky – sim, alfarrabistas, porque na altura não se entrava numa livraria para comprar livros dele. Ou se comprava “o Jogador” ou então nada feito. Os direitos de edição em solo nacional do espólio do Dostoyevsky estavam na altura em posse da defunta editora “Civilização” (ainda há aqui outra boa história acerca disto com o mesmo amigo M.A. na Feira do Livro em Lisboa).
E é importante frisar de onde eu vinha, porque assim se percebe onde eu me ia meter: é que o Dostoyevsky é torto, mas o Kafka é torto de uma maneira torta. Diabos… as primeiras páginas do “Castelo” deixaram-me no mínimo confuso.
Desisti do livro antes de chegar à vigésima página. Pelo menos tentei… não era para mim. Naquela altura…
Passados alguns dias, talvez semanas, isto para dar o espaço imaginário de reflexão necessária, levei o livro para o devolver ao M.A., agradecendo-lhe outra vez o empréstimo. Mas então ele retorquiu “Esse livro é teu. É a tua prenda de aniversário” e então, rapidamente o meu cérebro fez as adições suficientes de quem não está mais na antecâmara do erro, mas sim de quem comprou o bilhete só de ida para as terras onde ele habita. 2 +2 = 5. Claro, o meu aniversário dos 18 anos tinha sido apenas há semanas… mais uma vez, fazia sentido. Então regressei com o livro a casa e ele a olhar-me de soslaio, com aquele olhar de quem… enfim… sabe o que não devia…
Alguns dias depois voltei à carga, mas dessa vez de peito aberto. E então o livro cicatrizou-me. Ainda hoje me lembro da sensação de cansaço da personagem central, o Joseph K.; das horas que eram dias das viagens que fazia ao Castelo; e talvez seja ele a personagem central... Mais que a história, ficaram-me as sensações. Acho que para mim o Kafka toca-me dessa maneira. E depois, ler cada uma das passagens rasuradas resgatadas ao silêncio pelo eterno “editor” Max Brod que davam ainda mais mil e um sentidos ao Castelo... Não me lanço sobre a própria história que o livro encerra, mas urjo-vos à leitura dele. Tem lá segredos. Tem lá segredos…
E já que a vida anda em círculos, anos mais tarde emprestei o livro a outro amigo, ao R., que numa festa onde também eu (infelizmente) estava, deixou que o livro perecesse dentro de uma taça cuja descrição não avanço para não atormentar a minha memória. E é isso que resta deste livro com aquela querida dedicatória: a minha memória.
Como detesto maus tratos aos livros. Passagens sublinhadas e folhas dobradas…
Joao Rui