novembro 01, 2011

Drunken Sailors & Happy Pirates (Júbilo Mortal, por Luís Quintais)

Artwork: Luis Belo


Boa noite,

Este é o nosso novo álbum, que a partir de hoje, dia 1 de Novembro já se encontra disponível para compra, empréstimo ou roubo. É um álbum conceptual acerca do qual poderão descobrir mais e ouvir  um pouco dele através da visita ao nosso novo site www.ajigsaw.net, onde também as letras ficarão hoje disponíveis.
Para comemorar esta edição, oferecemos a música Drunken Sailors and Happy Pirates para download durante o mês de Novembro.
Neste novo trabalho temos o privilégio de ter a Tracy Vandal (Tiguana Bibles) na voz da canção "Lovely Vessel" e o contrabaixo do nosso bom amigo Gito Lima (The Soaked Lamb) na faixa "The Last Waltz". A capa é desenhada pelo Luís Belo e quem gravou, misturou e masterizou foi o João P. Miranda, no Attack-Release Studio em Portalegre.

Mas para vos falar do que este álbum trata, deixamos aqui as palavras do Escritor e amigo Luis Quintais que assina o texto abaixo.

                                                                            Obrigado a todos,
                                                                            João Rui, Susana Ribeiro, Jorri,
                                                                            a Jigsaw.


"Júbilo mortal"
Sobre  
«Drunken Sailors & Happy Pirates» 
de 
a Jigsaw

Um álbum de canções é também um álbum de histórias. É esse o lugar da música? Não sei. A música talvez não tenha lugar. Mas, por vezes, ela tem o peso de uma cortina que se abate violentamente a nossos pés. É assim a música de A Jigsaw. Sempre foi. Como se agitasse o tempo por dentro e o esventrasse. Aventura narrativa? Sem dúvida. Quero porém acreditar que a música ganha porventura o seu lugar, aqui, em A Jigsaw. A voz é grave, o seu grão é o grão da mais antiga voz. Uma história precisa de uma voz, de uma voz que a conduza, gravemente. Balada? João Rui diz-me que a palavra é belíssima. Assim é. E o que era uma balada senão um modo de enfrentar a noite com uma história? A música (que talvez não tenha lugar) ganhava aí o seu lugar outra vez. O seu modo de navegação solitária e ardente. Enfrentar a noite, será a expressão precisa, rigorosa para esta navegação. Não é por acaso que «Drunken Sailors & Happy Pirates» é título desta aventura em mar alto e encapelado de experiências e histórias. Não é por acaso também que a canção homónima termina com este verso: «We must leave now and face the night. The dark and cold night. Goodnight». Dir-se-ia que depois das histórias contadas, assim, sob a forma destas baladas que se abatem a nossos pés como uma cortina pesada, disse, ou antes, como o velame de um navio humedecido duramente por sortidas intermináveis em mar alto, dir-se-ia que, depois das histórias e da voz que as persegue sem remissão, esse enfrentar solitário (com a morte por horizonte) se faz sob o sortilégio de uma forma qualquer de júbilo. Júbilo mortal. Enfrentamos a noite com a certeza de que há uma estranheza em cada um nós, e que toda a amizade (toda a empatia que a música faz alucinar), é um exercício de subjectividades trocadas no território dessa estranheza. Júbilo mortal porque as canções de A Jigsaw se encontram contaminadas pela morte. A morte será o horizonte desse mar tumultuado onde navegamos em estado de graça. A morte surge-nos como o que nos impede o passo, mas a consciência do naufrágio faz da música um trabalho de incursão no perímetro da beleza luminosa dos regressos. Sim, os passos estão truncados pela ferrugem que os toma de assalto, mas, seja como for, embriaguemo-nos de coragem. É sobre isso o exemplo maior desta música de exílios, viagens, fluidas fronteiras, instrumentações imoderadas que é «The Strangest Friend»: «a story to be heard, and a hymn to be sung for all those with dust in their bones / laugh if you will, cry if you must, this is not weakness it’s rust». O quarto que viemos habitar, sensíveis ao nosso próximo fim, ao inevitável naufrágio, abre para uma árvore coberta de corvos. Tudo parece tocado pelo lado mais escuro da noite, e tudo reclama um ponto de vista que não pode ser outro senão o da beleza. O ponto de vista da beleza. Essa rapariga à qual suplicamos presença, regresso, figurações do que só podemos entrever, sabendo que nos deslocamos a passos determinados para o nosso fim. Sim há morte, mas há sempre uma porta que dá para esse ponto de vista. O da beleza que queima, que dança entre o ver e o não ver, entre o visível e o invisível. E sob o signo dessa morte, há uma troca de olhares que nos indistingue, que nos alia: «There I found my death, between your eyes and mine». Qual é o lugar da música? A Jigsaw parece dizer-nos que as mais antigas baladas deveriam voltar para incendiar os nossos dias e as nossas noites, outra vez. Mostrar-nos como há coisas que não se demonstram ou explicam. Dão-se. O lugar da música é afinal o de inventar uma afinidade profunda entre a escuridão recíproca que nos habita. Entre aquele que canta e aquele que escuta, uma mais dolorosa e inevitável canção se desenha. Talvez uma valsa, a última valsa de uma Roma queimada como homenagem às figurações da beleza e da morte que perseguem cada compasso de A Jigsaw.  Nero haveria de se orgulhar deste fogo.

Luís Quintais, Outubro de 2011.