Artwork: Luis Belo
Boa noite,
Este é o
nosso novo álbum, que a partir de hoje, dia 1 de Novembro já se encontra
disponível para compra, empréstimo ou roubo. É um álbum conceptual acerca do
qual poderão descobrir mais e ouvir um pouco dele através da visita ao
nosso novo site www.ajigsaw.net, onde também as letras
ficarão hoje disponíveis.
Para
comemorar esta edição, oferecemos a música Drunken
Sailors and Happy Pirates para
download durante o mês de Novembro.
Neste novo
trabalho temos o privilégio de ter a Tracy
Vandal (Tiguana Bibles) na voz
da canção "Lovely Vessel" e o contrabaixo do nosso bom amigo Gito Lima (The Soaked Lamb) na
faixa "The Last Waltz". A capa é desenhada pelo Luís
Belo e quem gravou, misturou e masterizou foi o João P. Miranda, no Attack-Release
Studio em Portalegre.
Mas para vos falar do que este álbum trata, deixamos aqui as
palavras do Escritor e amigo Luis Quintais que
assina o texto abaixo.
Obrigado a todos,
João Rui,
Susana Ribeiro, Jorri,
a Jigsaw.
"Júbilo
mortal"
Sobre
«Drunken
Sailors & Happy Pirates»
de
a Jigsaw
Um álbum de canções é também um álbum de
histórias. É esse o lugar da música? Não sei. A música talvez não tenha lugar.
Mas, por vezes, ela tem o peso de uma cortina que se abate violentamente a
nossos pés. É assim a música de A Jigsaw. Sempre foi. Como se agitasse o tempo
por dentro e o esventrasse. Aventura narrativa? Sem dúvida. Quero porém
acreditar que a música ganha porventura o seu lugar, aqui, em A Jigsaw. A voz é
grave, o seu grão é o grão da mais antiga voz. Uma história precisa de uma voz,
de uma voz que a conduza, gravemente. Balada? João Rui diz-me que a palavra é
belíssima. Assim é. E o que era uma balada senão um modo de enfrentar a noite
com uma história? A música (que talvez não tenha lugar) ganhava aí o seu lugar
outra vez. O seu modo de navegação solitária e ardente. Enfrentar a noite, será
a expressão precisa, rigorosa para esta navegação. Não é por acaso que «Drunken
Sailors & Happy Pirates» é título desta aventura em mar alto e
encapelado de experiências e histórias. Não é por acaso também que a canção
homónima termina com este verso: «We must leave now and face the night. The
dark and cold night. Goodnight». Dir-se-ia que depois das histórias contadas,
assim, sob a forma destas baladas que se abatem a nossos pés como uma cortina
pesada, disse, ou antes, como o velame de um navio humedecido duramente por
sortidas intermináveis em mar alto, dir-se-ia que, depois das histórias e da
voz que as persegue sem remissão, esse enfrentar solitário (com a morte por
horizonte) se faz sob o sortilégio de uma forma qualquer de júbilo. Júbilo
mortal. Enfrentamos a noite com a certeza de que há uma estranheza em cada um
nós, e que toda a amizade (toda a empatia que a música faz alucinar), é um
exercício de subjectividades trocadas no território dessa estranheza. Júbilo
mortal porque as canções de A Jigsaw se encontram contaminadas pela morte. A
morte será o horizonte desse mar tumultuado onde navegamos em estado de graça.
A morte surge-nos como o que nos impede o passo, mas a consciência do naufrágio
faz da música um trabalho de incursão no perímetro da beleza luminosa dos
regressos. Sim, os passos estão truncados pela ferrugem que os toma de assalto,
mas, seja como for, embriaguemo-nos de coragem. É sobre isso o
exemplo maior desta música de exílios, viagens, fluidas fronteiras,
instrumentações imoderadas que é «The Strangest Friend»: «a story to be heard,
and a hymn to be sung for all those with dust in their bones / laugh if you
will, cry if you must, this is not weakness it’s rust». O quarto que viemos habitar, sensíveis ao
nosso próximo fim, ao inevitável naufrágio, abre para uma árvore coberta de
corvos. Tudo parece tocado pelo lado mais escuro da noite, e tudo reclama um
ponto de vista que não pode ser outro senão o da beleza. O ponto de vista da
beleza. Essa rapariga à qual suplicamos presença, regresso, figurações do que
só podemos entrever, sabendo que nos deslocamos a passos determinados para o
nosso fim. Sim há morte, mas há sempre uma porta que dá para esse ponto de
vista. O da beleza que queima, que dança entre o ver e o não ver, entre o
visível e o invisível. E sob o signo dessa morte, há uma troca de olhares que
nos indistingue, que nos alia: «There I found my death, between your eyes and
mine». Qual é o lugar da música? A Jigsaw parece dizer-nos que as mais antigas
baladas deveriam voltar para incendiar os nossos dias e as nossas noites, outra
vez. Mostrar-nos como há coisas que não se demonstram ou explicam. Dão-se. O
lugar da música é afinal o de inventar uma afinidade profunda entre a escuridão
recíproca que nos habita. Entre aquele que canta e aquele que escuta, uma mais dolorosa
e inevitável canção se desenha. Talvez uma valsa, a última valsa de uma Roma
queimada como homenagem às figurações da beleza e da morte que perseguem cada
compasso de A Jigsaw. Nero haveria de se orgulhar deste fogo.