dezembro 25, 2009

Feliz natal, Timoneiro

Se ainda é de regressos que falo, hoje é um dia de regressos. A esta hora as estradas voltam a encher-se de lágrimas secas que voltarão a desabrochar daqui a um ano. É dia de ouvir histórias que já conhecia - de quando não tinha a consciência delas mas já delas era eu parte. O meu avô delicia-se a contar as duas, cinco histórias que eu protagonizei. E eu não me canso delas; como se de cada vez que as contasse regressássemos os dois um bom par de anos atrás – e nisto os meus olhos nos dele vão desenhando os contornos do que tenho a certeza que vi, mas do qual não me lembro. E hoje voltamos lá. A uma altura em que aquele abraço forte e bom ainda lá estava e eu, se adivinhasse o fim dele, esquecia-o. Abençoada seja a capacidade de esquecermos o peso dos dias - ou na falta do esquecimento, de nos distrairmos o tempo suficiente para permitir o sorriso.

Há um ano atrás perdi um amigo. Não fora a bênção do esquecimento, nem forças me restavam para respirar. Não me sentei ao lado dele para que a memória não me roubasse o coração - se pudesse escolher o dia que seria a morada da minha memória, teria que voltar tantas páginas do calendário quantas há as que se foram amontoando nos meus ombros. E talvez à chegada… quisesse apenas partir.

A esta hora o covil está vazio. Os meus irmãos partiram cada um para seu lado. É uma caçada de lágrimas. A esta hora, a madeira das guitarras encolhe-se para envolver as cordas, as teclas do piano tornam-se cinzentas de tão próximas, a resina no arco do violino desvenda segredos do frio e a pele do bombo fica mais grave. A esta hora cada uma dessa parte de nós fica guardada. É uma caçada de lágrimas.

Feliz natal, Timoneiro.

JoaoRui