fevereiro 19, 2009

Para mais tarde recordar


Foi dia de fotografias e de, finalmente, quebrar o cordão com a casa azul. Começámos lá mas fugimos. Connosco levámos dois membros extra – a Paulinha e o Miguel, que veio fazer magia com as cabeleiras e distribuir energia. A Susana aparece como uma visão, capaz da metafísica da fragilidade, o Jorri a servir-se de uma nova noção de confiança, tranquilo, a deixar-se guiar, e o João em estado de graça, alimentado de um sorriso que não consegue evitar.

Não somos uma ideia nem uma imagem. Somos, antes, a expectativa do significado dessa concretização. Somos o mundo que reflectimos, onde colectivamente habitamos. Depois, em tardes de luz e adrenalina como esta, somos sobretudo a noção de sermos, esse sentimento de estar presente que nos percorre o corpo e nos magoa. Nos dias que se seguem, somos uma marca de tudo isso. As imagens revelam-se e com elas chega a certeza do que passou a ser uma extenção de mim (não as câmaras, mas esta família). Passámos a ser um prolongamento súbtil e metafórico dos espaços invisíveis em que nos mexemos. E, mesmo sem conseguir falar, dizemos. Sem conseguir explicar, fazemos.

SofiaSilva

© Sofia Silva
, Miguel, Fevereiro 2009

To remember later..

It was a day of photography and finally, the breaking of the rope with the blue house. We began there but we fled. We took two extra members - Paulinha and Miguel,who came to do magic with the wigs and distributed energy. Susana appears as a vision, capable of the metaphysics of a fragile state, Jorri served himself with a a new concept of trust, peaceful, letting himself be guided, and João in a state of grace, sustained with a smile that he cannot avoid.

We are neither an idea nor an image. We are the expectation of the meaning of that achievement. We are the world, where we collectively inhabit. Then in the afternoon of light and adrenaline like this, we are especially the notion of being curses through the body and hurts us. In the days that follow, we are a brand of it all. The images reveal themselves and they are sure enough what has become an extension of me (not the cameras, but this family). Has become a subtle and metaphorical extension of the spaces in which we invisibly move. And even without being able to speak, we say. Without being able to explain, we do.


fevereiro 17, 2009

Dias sem recordação IV

Já é hora?

Ouço tambores de guerra que me convidam ao embarque. Volto a vestir o casaco que me acompanha há demasiado tempo, onde vou guardando os tesouros dos dias aqui deitado. Os passos deles tornam-se mais audíveis, mais próximos: os meus dois bravos saltam para dentro da embarcação e sem demoras, as nossas penas arrumam-se contra a madeira, para receber a maré.

Tenho os bolsos cheios de romãs - que saque magnífico…

De mão apoiada no leme vamo-nos afastando da costa. Sentada na popa, a Susana ainda se despede das três irmãs que ficaram no pomar; o Jorri, de braços doridos, olha em frente para as ondas que ainda ninguém avista. O Miro sorri e vai olhando ora para bombordo, ora para estibordo e vai-se deliciando com o nosso saque.

E eu… eu não consigo evitar o sorriso idiota de quem não tirou todas as cartas da manga.

Este álbum fala também acerca de medos que afinal são ilusões e que desvanecem com o tempo.

A minha mãe diz que os medos que se desvanecem são substituídos por outros e que durante toda a vida vão aparecendo lobos. Uns novos e outros que vamos reencontrando.

E eu continuo a rir enquanto me lembrar daquele sorriso.

Estes foram os nossos últimos dias no covil…

Agora é altura de erguer o estandarte das nossas convulsões e fazermo-nos de novo ao mar.

Por mim, vou fazer dos braços barbatanas e os pés dormentes, vou torna-los memórias que não são minhas – porque se não sentirem o chão a tremer é porque o chão ainda vos aprisiona e dele serão eternos amantes.

“let me tell a tale of old times, the crimes that I did, into your heart”

JoaoRui

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Days without memory IV
It is time already?
I hear drums of war that call me for boarding. So wear the coat again, the one that’s been my company for so long, where I keep the treasures of the days lying here. Their steps become more audible, closer: my two brave jump into the boat and without delay, our feathers get up against the wood to receive the tide

I have pockets full of pomegranates – what magnificent loot...
With my hand over the helm we move away from the coast. Seated in the stern, Susana is still saying farewell to the three sisters that stayed in the orchard; Jorri, with sore arms, looks forward to the waves that are still in nobody’s sight. Miro smiles and keeps looking to port and to starboard delighted with our loot.

And I ... I can not avoid the idiot smile of whom did not take all the cards from the sleeve.
This album also talks about the fears that ultimately are illusions and that fade with time.
My mother says that the fading fears are replaced by others and that throughout life wolves will appear. Some new and others that keep returning.
And I keep laughing as long as I remember that smile.
These were our last days in the lair...
Now is the time to raise the banner of our fits and getting back to sea.
For me, I will make my arms fins and my numb feet, I will make of them memories that are not mine - because if you do not feel the ground shaking beneath your feet it is because it still imprisons you.
“let me tell a tale of old times, the crimes that I did, into your heart”

fevereiro 06, 2009

Dias sem recordação III



"He woke up at dawn with his ribs pressed against his heart"

Aprendi, com o vagar dos anos, a não me surpreender com o peso do tempo - é o que me murmura o sal da comissura dos lábios. Mas se ele se estilizou num sorriso, já eles são de disposição diversa.

Conheces o desespero dos segundos? Já adivinhaste a sabedoria das horas? Certamente que a paciência é demasiado racional também para o teu coração.
Eu acreditava que a maré, minha amante, não me traria senão espaço para empurrar a minha embarcação de volta à leveza das ondas. Eu acreditava que o rio só me levaria de volta a mim...

Mas agora que a linha de água se ri uns bons anos acima da minha boca e o meu coração se tornou foz de rio nenhum, compreendo que em boa verdade, realmente não regressei do inverno.

Então tornei-me malabarista das coisas insondáveis. E quando me acho de novo regressado ao caminho de retorno, cada passo meu é trapezista sobre as amarras que lancei de romanzeira a romanzeira.

E haverá algo mais doce?

JoaoRui

Days Without Memory III
"He woke up at dawn with his ribs pressed against his heart" I’ve learned, with the drift of years, to not be surprised with the weight of time – that is what the salt of the trails of my lips whispers. But if he was burnt into a smile, the lips are of a different disposition.Do you know the despair of seconds? Have you already guessed the wisdom of time? Certainly, patience is also too rational also for your heart. I used to believe that the tide, my lover, would not bring me but space for me tu push my vessel back to the lightness of the waves. I used to believe that the river would only take me back to me ... But now that the water line laughs some good the years above my mouth and my heart became the end of no river, I understand that in truth, not I’ve really not returned from winter. So, I became a juggler of unfathomable things. And when I think I am back again to the path of return, each step is a trapeze artist over the ropes that I’ve launched from pomegranate tree to pomegranate tree. And is there anything sweeter?

fevereiro 03, 2009

Dias sem recordação II

Agora que já me rodeiam mais romãs que água salgada, decidi reunir forças para me deslocar de onde me achava caído. A emoção de cada passo é acompanhada por uma sinfonia de aromas que me chega das primeiras árvores do pomar: os meus dois incansáveis e magníficos guerreiros já lá estavam a urdir estocadas que eu nem sequer imaginava (longos serão os seus capotes de guerra, com as incontáveis penas de águia que aqui estão a conquistar. Tal como antigos índios).
É curioso como o sabor das romãs é tão dócil na nossa boca e aqui é selvagem, irrequieto, fugaz… Esconde-se nos ramos mais altos e ri-se das nossas investidas – Então é na sedução e não pela conquista que ele se entrega por fim às nossas mãos.

Se os meus ossos ainda procuram unidade, os dos meus dois bravos são ainda desconhecedores de tal virtude: há aqui, neste covil, marcas de batalha e feridas silenciosas.
Mas ainda é cedo para as poder daqui levar. O sangue ainda ferve nas veias deste delírio e o suor das minhas mãos ainda não está preparado para se lhe entregar.
Retorno à fronteira para de novo emudecer.

Lá longe, num dueto adiado, ergue-se um magnífico mastro de cordas na orla do pomar e recomeça o ritual pagão.
Se ainda me restam forças é para não lhes ser um estranho.

JoaoRui


Days Without memory II
Now that I’m surrounded with pomegranates, even more that salt water, I decided to gather strength to move from where I stood. The excitement of each step is accompanied by a symphony of flavors that comes to me from the first trees of the garden: my two tireless and magnificent warriors were already machinating with a thrust that even I could not have imagined (beautiful and long will be their war bonnets with the countless eagle feathers they are earning here. Just like the old indians used to believe).
It is curious how the taste of pomegranates is so docile in our mouth and here it is wild, restless, fleeting ... he hides in the highest branches and laughs at our moves – So, in the end, it is by seduction and not conquest that he delivers himself to our hands.
If my bones still seek unity, those of my two brave are unaware of such a virtue: there are in this lair, marks of battle and silent wounds.
But it is too early to take them away from here. The blood still boils in the veins of this delirium and the sweat of my hands is not yet ready to deliver himself to him.
I return to the border and I go mute once again.
There, over yonder, in a delayed duet, rises a magnificent mast of strings on the edge of the orchard and the pagan ritual begins once more.
If I still have strength it is not to be a stranger to them.

fevereiro 02, 2009

Quem lhes concede perdão?

Há uma história curiosa acerca do Dostoyevsky: condenado à pena de morte, já em frente ao pelotão de fuzilamento; as armas carregadas e apontadas à venda sobre os olhos, no último segundo foi-lhe concedido o perdão.

Quando começámos a preparar o álbum, tínhamos vinte e quatro músicas prontas para ser gravadas. Após uma fase de amadurecimento, este grupo perdeu nove companheiras. Através da porta do estúdio entraram apenas quinze - e cada uma delas sabia que três não iriam ver a luz em dia - e nenhuma era mais perecível ou frágil que a sua semelhante - e nós fomos fingindo que tínhamos esquecido esse detalhe...

É assim que elas agora se encontram: vendas sobre as lágrimas, diante da tristeza tolhida na antecâmara das armas do nosso pelotão.

Esta parte vai doer...

E qualquer um de nós vai voltar os olhos para o lado quando a certeza nos rasgar as entranhas e abater uma das nossas irmãs. Por ora ainda não há unanimidade. Mas esta é uma semana de detalhes, escolhas e abandonos.

Esta parte vai doer...

JoaoRui
(photo by Susana Ribeiro)
Who grants them forgiveness?

There is a curious story about Dostoievsky: sentenced to death, already facing the firing squad, the guns loaded and pointed to his blindfold, in the last second he was granted the pardon.

When we began preparing the album, we had twenty-four songs ready to be recorded. After a phase of growth, this group lost nine companions. Through the door of the studio came only fifteen - and each one knew that three would not see the light of day - and none was more perishable or fragile than its similar - and we were pretending that we had overlooked this detail...

And now they stand: blindfold over the tears, before the numb sadness in the antechamber of the guns of our platoon. This part will hurt...

And any of us will turn your eyes to the side when the certainty rips our guts and kills one of our sisters. For now there is no unanimity. But this is a week of details, choices and dropouts.

This part will hurt...