fevereiro 03, 2009

Dias sem recordação II

Agora que já me rodeiam mais romãs que água salgada, decidi reunir forças para me deslocar de onde me achava caído. A emoção de cada passo é acompanhada por uma sinfonia de aromas que me chega das primeiras árvores do pomar: os meus dois incansáveis e magníficos guerreiros já lá estavam a urdir estocadas que eu nem sequer imaginava (longos serão os seus capotes de guerra, com as incontáveis penas de águia que aqui estão a conquistar. Tal como antigos índios).
É curioso como o sabor das romãs é tão dócil na nossa boca e aqui é selvagem, irrequieto, fugaz… Esconde-se nos ramos mais altos e ri-se das nossas investidas – Então é na sedução e não pela conquista que ele se entrega por fim às nossas mãos.

Se os meus ossos ainda procuram unidade, os dos meus dois bravos são ainda desconhecedores de tal virtude: há aqui, neste covil, marcas de batalha e feridas silenciosas.
Mas ainda é cedo para as poder daqui levar. O sangue ainda ferve nas veias deste delírio e o suor das minhas mãos ainda não está preparado para se lhe entregar.
Retorno à fronteira para de novo emudecer.

Lá longe, num dueto adiado, ergue-se um magnífico mastro de cordas na orla do pomar e recomeça o ritual pagão.
Se ainda me restam forças é para não lhes ser um estranho.

JoaoRui


Days Without memory II
Now that I’m surrounded with pomegranates, even more that salt water, I decided to gather strength to move from where I stood. The excitement of each step is accompanied by a symphony of flavors that comes to me from the first trees of the garden: my two tireless and magnificent warriors were already machinating with a thrust that even I could not have imagined (beautiful and long will be their war bonnets with the countless eagle feathers they are earning here. Just like the old indians used to believe).
It is curious how the taste of pomegranates is so docile in our mouth and here it is wild, restless, fleeting ... he hides in the highest branches and laughs at our moves – So, in the end, it is by seduction and not conquest that he delivers himself to our hands.
If my bones still seek unity, those of my two brave are unaware of such a virtue: there are in this lair, marks of battle and silent wounds.
But it is too early to take them away from here. The blood still boils in the veins of this delirium and the sweat of my hands is not yet ready to deliver himself to him.
I return to the border and I go mute once again.
There, over yonder, in a delayed duet, rises a magnificent mast of strings on the edge of the orchard and the pagan ritual begins once more.
If I still have strength it is not to be a stranger to them.

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