O frio parece ter vindo para ficar. Este foi um fim de semana de costas voltadas para norte e peito aberto em direcção ao sul. Encontrámos caras conhecidas, mas na maioria desconhecidas que vieram receber o Lobo. O ultimo uivo antes do Natal. Quando regressarmos será para partir...
Sentado à janela do décimo segundo andar que dava para as bandas do mar, observei a chegada do frio. A minha mãe falou-me em promessa de neve.
Mas não, era apenas frio, talvez gelo ou vento - sussurrou ao meu ouvido que era memória de infância; de décadas das quais guardo os meus retratos imperfeitos. O dia a estender os braços por cima de um manto de neve - os passos mais nervosos que ilusão e o coração a ansiar por um retrato.
Felizmente não há fotografias para avivar a memória. Assim não tenho provas instantâneas desse momento - não sei se os atacadores dos sapatos estavam desapertados, se o cabelo estava despenteado ou se o cenário era menos idílico do que recordo. Assim a memória alimenta-se de si mesma e julgo que a cada ano que passa sinto essa felicidade mais distante e ainda mais perfeita. Os passos em constante tropeçar ao lado do meu pai, num sorriso que de uma orelha adivinhava a outra, o sorriso da minha mãe numa camisola de gola alta e o meu irmão a rir ao meu lado.
E quanto mais tento recordar, menos nítida é a imagem e mais permanente se torna a emoção. Acho que vestia um casaco azul e umas botas castanhas, ou então era ao contrário: as botas eram pretas e o casaco era branco, ou então era ao contrário: as botas eram invenção e o casaco era azul, ou então era ao contrário: as botas eram invenção e o casaco não me recordo.
Mas afinal, quanto é que realmente guardamos da verdade?
JoaoRui