Andamento #1: (das coisas simples)
Mais umas boas horas para conhecer o Tim e a Danni. A estas que já passaram, seguem viagem para Espanha, depois Itália de novo e de seguida Holanda. Andam ao mesmo que o lobo: a tentar descobrir almas a quem entregar o peito. São passos que se encontram apenas para se separar na esperança que a estrada os volte a cruzar.
Dizem eles que do destino não nos podemos alijar. O nosso é Veneza, mas para lá chegar a história não se condensa. Tenho que manter a tinta sossegada na caneta para que não me resvalem as palavras para o segundo andamento.
Há um comboio que parte de Mestre para Veneza de 10 em 10 minutos e que demora menos de 20 para lá chegar – o Jorri tem uma bússola nos pés: nunca lhe falta a direcção; é a todos os momentos a luz que seguimos sem receio de errar o caminho. Mas se assim é, porque nos incitou ao comboio para sul quando a viagem era para norte? “é este, vamos!” – “de certeza? essa não me parece ser a linha” – “é este, vamos!” e fomos, mas em menos de 15 minutos estamos a sair do comboio para entrar noutro que procura o Norte, para o qual nós não temos o bilhete de permissão. Ao menos seguimos para norte: claro que diferente opinião seria a do revisor que se ia aproximando da nossa carruagem – carruagem que de súbito deixou de ser nossa já que os “nossos” lugares, a julgar pelos nossos passos apressados era uma ou duas carruagens atrás. Com o revisor a apressar o passo dos nossos corações, a porta da estação seguinte abre-se 5 segundos antes do que imagino ser uma interessante troca de ideias com o simpático senhor. Mas se o comboio errado nos levou quatro estações para trás, o comboio certo apenas andou uma de volta: lado nenhum… sabem o que é estar em lado nenhum? É ter estado a vinte minutos de Veneza e em menos de trinta passar a duas horas do nosso destino. À volta tudo é silêncio, paragens de autocarro ausentes e probabilidades menos agradáveis de assalto. Caminhamos por estradas desertas até aos nativos. Vou trocando idiomas com a arte de embriaguez de malabarista: “parlez vous anglais?”. Nem sequer faz sentido – e nem inglês ou tão pouco francês. O sentido é o do autocarro que por fim nos salva de lugar nenhum. Ao fim de uma hora de viagem e uns quantos sinais de trânsito ignorados e uns transeuntes quase atropelados (genial!) o autocarro pára na praça que antecede o fim do andamento.
Fim de andamento.
Andamento #2: (das coisas menos simples)
O condutor de um dos autocarros disse-me que bastaria atravessar a ponte que parte da praça Europa, para enfim chegar a Veneza. Esta é sobretudo uma história de passos e máscaras.
Muito depois de passar entre as pessoas que regressam de bailes de carnaval encontramos ruas mais estreitas do que conhecia dos livros e da imaginação. O coração é um espectador atento e nervoso das catedrais que vão enchendo os olhos estreitos até deles nada restar senão uma serena admiração. Paro o tempo suficiente em cada uma das pontes para que não me esqueça mais. Nas bancas à beira dos canais estão dezenas de máscaras à venda pelo preço da solidão. Olham-me em segredo como se fora eu que de dentro delas também me houvera escondido.
Falta-me a lucidez para guardar tudo: o Barqueiro que um dia nos escrevia e que um dia mais tarde será o meu único companheiro de viagem, rema com a lentidão de séculos envoltos nas mãos. Mas não com a lentidão que eu queria. Leva o meu avô dentro do barco e o lobo nos seus braços – fica mais um pouco que me fazem falta os teus olhos e a doçura do teu abraço; fica mais um pouco e inventa outra história que não acabe assim. Mas esse barco já partiu. Vai-se afastando até dobrar a esquina e tudo o que permanece é a vontade da maré que vai ser sempre mais fria que este meio-inverno. (abraço os meus três lobos e finjo esquecimento).
Todas as ruas vão dar a S. Marco. Explosão de arquitectura e fé impregnam-nos a respiração ao fim do caminho. É hora de regressar a Padova onde outro santo espera por nós.
É hora de recolher ao silêncio (adeus meu bom assassino).
JoaoRui
We are mask - The time that passes in two movements. Movement # 1: (of the simple things). A few more good hours to know Tim and Danni. And these have already passed, they’re following their trip to Spain, then Italy again and Holland. They are looking for the same as the wolf: trying to find souls to whom they can deliver their chest. These are steps that meet only to part in the hope that the road will bring them back together. They say that from fate one cannot get rid of. Ours is Venice, but to get there the story does not condense itself. I have to keep the ink in the pen quiet so that the words will not slip to the second movement. There is a train leaving from Mestre to Venice from 10 to 10 minutes and it takes less than 20 to get there - Jorri has a compass in his feet, he never lacks direction: he is at all times the light we follow without fear of going astray. But if so, why did he encourage the train to the south when the trip was to the north? "It’s this, let’s go!" - "For sure? That doesn’t seem to be the right line…” – "It’s this, let’s go!", and we went, but less than 15 minutes after, we are off the train to go to another one looking for the North, and one for which we do not have the permission ticket. At least we went north: of course that the ticket taker that was approaching our carriage would think otherwise – the carriage that suddenly stopped being "ours", judging from our hasty steps on the way to two carriages down. With the ticket taker’s rush of the pace of our hearts, the door of the following train stop opens 5 seconds before what I imagine would be an interesting exchange of ideas with the nice gentleman. But if the wrong train took us four stations back, the right train just went one further. Nowhere ... do you know what is to be nowhere? That’s when you were about twenty minutes from Venice and in less than thirty you’re two hours away from your destination. Around us all is silence, absent bus stops and less pleasant chances of a robbery. We walk through deserted roads up to the natives. I'm switching languages with the art of drunken juggler: "parlez vous anglais?". That doesn’t even make sense - and not little English nor French. The sense is of the bus that finally saved us from nowhere. After an hour's drive, a few ignored traffic signs and almost overrun pedestrians (genius!) the bus stops in the square that precedes the end of the movement. End of movement. Movement #2: (of the not so simple things) The driver of one of the buses told me it would be sufficient to cross the bridge from the Square Europa, to finally get to Venice. This is mainly a history of steps and masks. Long after passing between people returning from the Carnival balls, we find narrower streets than those we knew from books and imagination. The heart is a careful and nervous observer of the cathedrals that fill the narrow eyes until nothing remains but a quiet admiration. I pause in each of the bridges long enough so that I will not forget anymore. In the stands next to the canals there are dozens of masks for sale at the price of loneliness. They look at me in secret, as if it were I that had hid as well inside them. I have no clarity to keep everything: The Boatman that one day wrote us and that one day will be my only traveling companion, paddles with the patience of centuries in his hands. But not with the patience I want. He takes my grandfather in the boat and the wolf in his arms - stay a little while longer for I miss your eyes and the sweetness of your embrace, stay a little while longer and make up another story that does not end this way. But this boat has left. He has turned over the corner and all that remains is the will of the tide that will always be colder than this mid-winter. (I hug my three wolves and pretend to forget). All the streets go to S. Marco. Explosion of architecture and faith embrace our breath to the end of the road. It's time to return to Padova, where another saint is waiting for us. It's time to retreat into silence (goodbye my good assassin). JoaoRui