Dizem-me que também aqui é primavera; e que este inverno, como eu lhe chamo, é apenas memória minha das portas do mar. Talvez assim seja: da janela deste meu quarto, os pássaros têm estado a amontoar penas e sonhos e migalhas de árvore nos galhos mais altos delas – como se fossem ninhos. Mas de cada vez que assomo ao parapeito, os meus olhos são recebidos por sombras e véus negros de corvos ruidosos. E no olhar deles antevejo o seu engenho; passamos assim estas manhãs primaveris, escondidos entre a sua penujem ainda mais negra que esta solidão. Não fossem estas noites aquecidas pelo verão das vozes de quem nos veio ouvir, também eu pertenceria ao seu ninho – e seria eu o estranho que me receberia de negro.
João Rui
From
the room window [21.04.2012 Bremen - Germany] They
tell me that here is also spring time; and that this winter, as I call it, is only
my memory from the doors of the sea. It may be so: from the window of my room,
the birds have been piling feathers and dreams and crumbs of trees in their
upper branches - like nests. But every time I come to the parapet, my eyes are
greeted by the shadows and black veils of noisy crows. And in their stare I
envision their skill; this is how we get by these spring mornings: hidden among
their feathers even darker than this solitude. If it were not for these nights
warmed by the summer voices of those who came to hear us, I would also belong
to their nest - and it would be I, the stranger that would receive me in black.
João Rui