Os dias são de horas tão pequenas quando abandonamos tudo o que nos pertence. Dizem que o tempo é pertença do esquecimento se dele o prazer é seu irmão. Talvez assim seja, mas ele transforma-te quando por ele passares sem a devida vassalagem – e de pouca valia é o riso que se esquece nessa transfiguração de ti. É que o risível do teu abandono é um infeliz substituto de amor. Então, este pouco menos que nada de presente é o que nos resta antes de o entregarmos a um passado que vai ser memória e fibra do que seremos dentro de instantes. Este balouçar da carruagem do comboio que parte de Portalegre é o que eu sou, ou o que eu fui ainda há pouco; nem me recordaria dele, não fora a tinta a guardá-lo; mas nem sempre escolhemos o que é nosso para eternizar – em verdade, tão parcas são as oferendas que entregamos de boa vontade à nossa memória – e ainda mais parcas o são as que completam esta miserável manta de retalhos. E aqui sigo no balouçar desta carruagem, junto à janela por onde o dia vai substituindo o torpor nocturno. Para trás fica Portalegre e o riso do João P. Miranda e do Alexandre Nobre: os meus bravos companheiros nesta demanda; também pouco escolhemos quem elegemos para se sentar à nossa beira, à beira do abismo – mas casos os há em que esse infortúnio é inesperada fortuna. É o que me diz este nevoeiro que se ergue da erva seca do Alentejo; é o que este súbito nascer do dia me confidencia enquanto faço o possível por me afastar da entrega do coração a uma fita que o pode devolver.
Não há palavras que descrevam o momento em que te apercebes da eternidade de um acorde. Não há palavras.
Não há palavras que descrevam o momento em que te apercebes da eternidade de um acorde. Não há palavras.
João Rui
Photo: Alexandre Nobre
The swing- the days are of small hours when you abandon all that belongs to you. They say time is of oblivion when he has pleasure for his brother. Maybe so, but he changes you when you go through him without the due vassalage – and of little value is the laughter that you may forget in that transfiguration of yourself. It’s just that the laughable of your abandonment is an unfortunate substitute of love. So, this little less than nothing of a present is what we have left before we deliver it to a past that will be memory and fiber of what we will be in a matter of instants. This slow swing of the train carriage that leaves from Portalegre is what I am, or what I was moments ago; I wouldn’t even remember it if not for the ink, but we can’t always choose what is ours to eternalize – in truth little are the offerings that we deliver with goodwill to our memory – and even less are the one that complete this miserable patchwork quilt. And here I follow in the swing of this carriage, by the window where the day is slowly replacing the night’s torpor. Behind I leave João P. Miranda and Alexandre Nobre: my brave companions in this venture; also, little do we choose whom we elect to sit by our side, by the abyss – but sometimes that misfortune is an unexpected luck. It is what this mist that rises from the dry grass of Alentejo tells me. It’s what this sudden rise of the day confides me while I do all I can to step away from the surrender of the heart to a tape that can return it. There are no words that can describe the moment when you find of the eternity of a chord. There are no words. João Rui